Isadora Bertholdo


Artista visual 
São Paulo/SP

Municio-me de imagens do cânone artístico para contrapô-lo ao caráter permeável, espontâneo, sujo e incontrolável das minhas composições. Interessa-me desmistificar conceitos — como a perfeição e o que é esperado —, ressaltando o fator humano que atravessa a construção das obras.

Por meio de desenhos, colagens e performances, o erro e o rastro tornam-se elementos centrais, expondo vivências, questionamentos e inseguranças relacionadas ao espaço e ao corpo que habito. A iconoclastia emerge como processo recorrente em minha pesquisa: zelo e tenho apreço pelas grandes obras, mas as vulgarizo e destruo, aproximando-as da falibilidade e das contradições que compõem a experiência de ser mulher.

Minha formação como designer gráfica consolidou o papel como ponto de partida. Este material perecível serve de suporte para composições feitas com instrumentos de prestígio no mundo da arte — como tintas e bastões a óleo —, mas que se misturam a outros materiais vagabundos. É também no papel que são impressas reproduções de obras clássicas que resgato perdidas em sebos.

A tensão entre o que é e o que acabou, a perenidade, a relação ambígua entre o amor e o descaso com o material, me motiva a revelar o caos contido na obrigação de corresponder a expectativas externas, enquanto afirmo o desejo de permanecer fiel a mim mesma. A escrita e o humor são imprescindíveis nesse processo, evidenciando tais momentos de desespero de forma leve (rir para não chorar).


Carioca, nascida em 1996, se formou em design gráfico na PUC-Rio (2019). Cursou diversas aulas no Masp e na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde também fez acompanhamentos com Anna Costa e Silva e Fábia Schnoor e participou da Mostra Escola de Artes do Parque Lage (2021). Em 2022 ingressou na pós-graduação Práticas artísticas contemporâneas na Faap, de onde se originou sua primeira instalação site-specific (Minha mente não é oficina do diabo, 2023). Os registros fotográficos foram exibidos na exposição coletiva "Em construção já é ruína" (2023), no espaço de arte Canteiro. Hoje, faz parte do acompanhamento artístico com a artista Lais Myrrha, que fez a curadoria da exposição coletiva "As coisas estão no mundo" (2024), e a curadora Camila Bechelany.


TRABALHOS

A ignorância é uma benção (ou Assunção do que restou)
YOU CAN'T ALWAYS GET WHAT YOU WANT
EXCLAMAÇÕES
Interrogação
Que delírio andar na rua segurando a sua mão
Não nos deixeis cair em tentação
Meu sonho, acabar em sebo
Ode às coisas perdidas (como nós dois e essa foto que achei no chão de Paris)
Achei meu primeiro cabelo branco (20/5/24)
Gastos, cobranças e superficialidades
Paguei oitenta reais na minha primeira bíblia
Excertos
Minha mente não é oficina do diabo
Rastros
O leão de tanto urrar desanimou
Triste/amargo
PUT IN MOUTH
Janela para o mundo exterior
Cacarecos
Rabiscos
Melancolia
Estranhezas V
Estranhezas IV
Estranhezas III
Estranhezas I



TEXTOS

Lembrete (28/5/2025)
Santa ignorância (4/2/2025)
Que delírio! (24/1/2025)
Sobre as mãos (28/9/2024)
Coisas perdidas (30/7/2024)
Seriam todas as mudanças novas ausências de algo? (17/7/2024)
Zona de conforto (23/3/2024)
Minha mente não é oficina do diabo: processo (8/11/2023)
Horror vacui (24/7/2023)
Átimo (14/7/2023)
Quarto (16/6/2023)
Rastros: contexto (27/5/2023)
Pessoa que quero bem (24/5/2023)
Gestos, coincidências e desvios (1/12/2022)
A urgência em palavras (28/11/2022)
Textos honestos (1/5/2022)
Azul (6/9/2021)



EXPOSIÇÕES COLETIVAS

As coisas estão no mundo (2024)
Em construção já é ruína (2023)
Mostra Escola de Artes do Parque Lage (2021)


CONTATO

isabertholdo@gmail.com
@isadorabertholdo

Sobre as mãos

28 de setembro de 2024


Depois do rosto — que está na altura dos olhos — vejo-me encarando as mãos. Elas carregam grande impacto sobre mim. Até no sentido de atração sexual: mãos bonitas, fortes, com as veias que saltam levemente, firmes, senti-las apertando meu corpo. Um interesse involuntário, não me perguntava o porquê, apenas era. Sempre foi. Trago um certo rancor das pessoas com suas belas mãos, visto que as minhas trato tão mal. As amo, veja, mas elas vivem sujas de caneta, bastões oleosos, e compulsoriamente arranco as peles dos cantos dos dedos até criarem feridas. Faço assim desde pequena. Recentemente, uma querida amiga me deu um livro e nele descobri que há um nome para isso: dermatilomania. Foi um alívio saber que não estou sozinha (obrigada por isso, Mari). Existe o fator da ansiedade, mas certo lado do meu inconsciente só quer deixar partes de mim por onde passo. Rastros. O que seriam as mãos, afinal, senão criadoras de rastros? O toque, que por vezes sentimos até depois que já se dissipou; o gesto, que carrega tanto significado quanto nenhum. 

A primeira vez que chorei vendo uma obra de arte indiretamente foi através do computador. Nnuma aula sobre o Renascimento, a professora nos mostrou uma escultura de mármore de Andrea del Verrocchio. As mãos. Tão delicadas e tão verdadeiras. Hoje, vejo essas mãos me encarando frente a frente. Me surpreendi porque eram ainda mais delicadas do que na tela. Esqueléticas. Osso puro. Como pode o mármore parecer tão frágil? Tão quebrável, leve. Queria um afago dessas mãos, pequeninas. Impassíveis de erro, já que são estáticas, etéreas e eternas. Mãos feitas por mãos. Mãos cujo único toque são delas mesmas, para sempre. Não as invejo, pois gosto de tocar e ser tocada, mesmo que por pequenos instantes. Talvez seja por isso que o ato de andar de mãos dadas seja tão significativo para mim: duas criadoras de mundo se fundindo, suspensas, num ínfimo momento onde criam coisa nenhuma.